Homem em situação de rua utiliza placas de energia solar para consertar celulares gratuitamente: ‘Quero ajudar’
Descendente de japonês, Mário Nishimura, de 44 anos, não cobra a mão de obra do serviço
Ajudar as pessoas. Esse é o objetivo de Mário Nishimura, de 44 anos, que está em situação de rua há nove anos. Descendente de japonês, ele chama a atenção de quem passa em frente ao prédio do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), no Centro do Rio. Ali, em meio a um carrinho com objetos pessoais, ele carrega três placas para captação de energia solar. Elas ficam sobre uma estrutura improvisada de isopor, apontadas para o céu. Mario utiliza a energia gerada por elas para fazer o conserto gratuito de aparelhos celulares.
— Consegui montar essa estrutura com a ajuda de um conhecido. Eu comprei essas placas de energia solar pela internet, a 33 dólares cada. Eu paguei com o meu dinheiro, mas pedi para que a encomenda fosse entregue na casa dele. Só assim para eu conseguir fazer esses consertos, porque não tenho acesso a energia elétrica — diz Nishimura.
Natural de Santo André, Região Metropolitana de São Paulo, Mário sobrevive com a renda de benefício do governo federal e, apesar de também necessitar de doações, não cobra pela sua mão de obra. Além de sentir prazer em realizar as atividades, ele conta que gosta de poder ajudar as pessoas. Nishimura veio para o Rio de Janeiro aos 34 anos, no entanto não conseguiu oportunidades de trabalho.
— Não é porque eu estou nessa situação que eu também não gosto ou não posso auxiliar. Consertar o celular pode custar muito caro, então eu quero ajudar as pessoas. Fora isso, eu gosto de mexer com os aparelhos, me faz bem. Desde que eu vim para o Rio que moro nas ruas, não consegui arranjar um emprego aqui — afirma Nishimura.
O conhecimento para mexer nos aparelhos Mário relata que adquiriu com a ajuda de tutoriais no YouTube, no próprio celular que mantém conectado a uma das placas de energia solar. O acesso à internet ele consegue através dos wifi disponíveis na região. Na maioria das vezes, o conserto que realiza é a troca de tela dos aparelhos.
— Eu faço muita troca de tela, mas para esse serviço preciso que o cliente pague os custos da peça necessária. A pessoa me dá o dinheiro em mãos e eu compro. Faço tudo direitinho, mostro nota fiscal para não ter erro — explica Nishimura.
O enfermeiro Everaldo Dias, de 66 anos, foi um dos que precisaram de seus serviços. Ele relata que o celular parou de funcionar e apresentava apenas uma tela preta. Sendo assim, Everaldo procurou Mário e entregou-lhe o aparelho.
— Meu celular já estava com sete anos e pifou, mas o Mário abriu e viu que não tinha realmente queimado de vez. Cheguei aqui, dei o dinheiro e ele comprou a uma placa-mãe nova. Agora meu celular está aqui, novo em folha. Ele trabalha super bem e eu já conversei sobre ele cobrar os serviços, mas não adianta. O Mário faz isso para ajudar, a gente percebe que ele não tem olho grande para dinheiro, vemos nos olhos dele — alega Dias.
Dificuldades na infância
Mesmo com interesse em aprender a língua dos pais, Mário não conseguiu desenvolver o idioma. Segundo ele, nunca fizeram questão de ensiná-lo. Apesar disso, viveu no Japão, entre idas e vindas, de 1997 a 2008. No país, trabalhou em uma fábrica desmontando portas, portões e janelas de alumínio para que o material fosse, em seguida, transformado em novos equipamentos.
— Eu gostava muito desse trabalho, sempre tive facilidade com coisas manuais. Acontece que eu não dominava o idioma, então tudo era muito mais difícil. Meus pais nunca me ensinaram ou me inseriram nas conversas que tinham em japonês. Eles não me davam muita atenção e eu não tive uma educação de qualidade — diz Nishimura.
O fascínio pelos equipamentos elétricos e eletrônicos surgiu durante a primeira visita ao Japão, aos 18 anos. Na ocasião, ele conheceu os painéis de luz de LED branca e se interessou por seu funcionamento. Sendo assim, começou a pesquisar sobre.
— Isso aconteceu há 25 anos atrás. Essa tecnologia ainda não tinha chegado aqui no Brasil, então fiquei impressionado — conta Nishimura.
Questionado sobre seus maiores sonhos, Mário destaca que deseja ter uma casa, mas que tudo será “no tempo de Deus”, pois reforça a dificuldade para arranjar um emprego. Ele também revela orar por um mundo melhor e sem maldade.
— Espero sair das ruas, mas tudo será no tempo de Deus. É difícil arranjar um trabalho, não quero que as pessoas me tratem mal. Às vezes recebo muitas ofensas racistas, pessoas zombando da minha aparência. Desejo que esse país melhore e as pessoas também. Para isso, as crianças devem ser criadas no lugar certo e no tempo certo. Gostaria que não existisse mais nenhuma maldade no mundo — desabafa Nishimura.